Eu sempre odiei multidão. Mas não pelo fato de ter várias pessoas juntas trombando umas nas outras para passar, o problema é a grande concentração de energia.
Eu não consigo controlar, pegar energia de várias pessoas ao mesmo tempo me deixa com náuseas, tontura. Pior ainda quando elas esbarram em mim, aí vem aqueles flashes mostrando o que a pessoa fez nos últimos dias. Por isso sempre evitei lugares lotados. Consequentemente não tinha muitos amigos, apenas dois, os melhores que podia ter. Eles viviam cansados, por minha causa, era minha maior fonte de energia.
Num sábado, nós três fomos ao cinema. A sala não estava muito cheia. Que bom, assim era só desviar minha atenção para o filme que não roubaria a energia de ninguém.
Quando o filme acabou parecia que todos resolveram descer pela mesma escada. Ficávamos uns esbarrando nos outros, e em minha cabeça passando vários flashes do passado das pessoas. Mas teve um flash diferente dos outros, esse não mostrava o passado.
Sentei na poltrona mais próxima, a tontura não me deixava mais ficar em pé.
- Que foi? – perguntou Alessandro.
- Eu vi alguém morrendo. – respondi.
- Ué, pensei que você só visse o passado. – disse Mirian
- Pois é. Esse foi diferente. – falei, levantando-me da poltrona – A garota era atropelada por um ônibus.
Nós saímos da sala de cinema.
- Ai que triste! Você tem que avisá-la. – disse Mirian
- Mas eu nem conheço a garota, não tem como eu fazer isso.
- Você não viu o rosto dela?
- Vi.
- Então! Vamos, ela ainda deve estar no shoppping.
Nós demos umas três voltas pelo shopping procurando a garota, mas não a encontramos, então pegamos o ônibus de volta para casa.
Na segunda-feira ainda estava pensando na garota.
- Eu procurei nos jornais, não teve nenhuma notícia de ônibus com garota. – falei
- Então ela não morreu. – deduziu Alessandro
- Aí ainda dá tempo de salvá-la! – gritou Mirian
- Fala baixo. – repreendeu-a Alessandro
- Não dá. Eu não conheço a garota, não sei nada sobre ela e eu nem sei quando ela vai ser atropelada.
- Pára de pessimismo! Lembra onde ela foi atropelada? – perguntou Mirian
- Não, foi tudo muito rápido. Só vi a garota sendo atropelada.
O professor entrou na sala então demos o assunto por encerrado.
Mas ainda fiquei pensando nela. Por que eu a vi morrendo? Por que ela não foi como as outras pessoas? Ser psyvamp dá muita dor de cabeça!
- Como que ela era? – perguntou Alessandro
- Branca, cabelos pretos.
- Tava vestida como?
Fechei os olhos e forcei a memória a lembrar.
- Calça jeans. Camisa pólo, branca, gola vermelha.
Tentei lembrar de mais algum detalhe.
- Tinha... Um emblema... Colégio W.R.
- Fica perto da casa do Alessandro! – exclamou Mirian
- É. Eu conheço uns caras que estudam lá. Vamos ver se alguém a conhece.
Depois das aulas fomos os três para o tal colégio.
Ficamos na frente do colégio, Alessandro ficou conversando com uns conhecidos dele. Mirian e eu ficávamos vendo quem saía, quem entrava.
Mirian ficava me mostrando várias garotas morenas, mas nenhuma era a que eu havia visto.
Alessandro veio falar conosco.
- O jeito é ficar olhando. Que a descrição que você deu é muito comum.
- Quem sabe se você esbarrar em alguém você vê por aí a garota. – sugeriu Mirian
- Claro! Eu vou ficar ali em frente ao portão atrapalhando a passagem de todo mundo. – falei com sarcasmo – Aqui no canto já tem bastante gente quase esbarrando em mim!
- Pára de bobeira! – exclamou Mirian me empurrando
Eu esbarrei tão forte numa garota que derrubei seus livros no chão.
- Desculpa.
Me agachei para ajudá-la a pegar os livros. Quando levantei e entreguei seus livros, foi que eu olhei para o rosto dela. Era ela!
- Obrigada. – agradeceu ela
- Foi mal mesmo. É que me empurraram, foi sem querer.
- Tudo bem. – disse ela ajeitando o cabelo – Acontece.
Ela começou a andar e eu fui acompanhando-a, sem saber o que dizer, mas não podia perdê-la de vista.
- Tudo bem? – perguntou a garota, parando de andar.
- Você olha pros dois lados antes de atravessar a rua? – perguntei. Queria ter algum jeito melhor de abordá-la, mas naquele momento isso era o melhor que podia fazer.
Ela olhou para mim assustada, respondeu que sim e continuou a andar. Eu continuei acompanhando-a.
- Qual é o seu problema?! – perguntou a garota parando de novo, irritada.
Eu não pensei em nada melhor se não a verdade.
- Tá bom. Meu amigo está apaixonado por você. – não tive coragem de falar.
Ela sorriu para mim.
- Quem é ele?
Apontei para Alessandro. Ele sem entender o que acontecia acenou. A garota acenou para ele.
- Ele quer saber pelo menos o seu nome, ou te conhecer. – falei
- Meu nome é Sabrina. E diz ao seu amigo que se ele quer me conhecer, ele que tem que vir falar comigo.
Sorri para ela e fui falar com Alessandro.
- Eu falei para ela que você está a fim dela. O nome dela é Sabrina.
- Lembrou de falar que ela vai morrer? – perguntou Alessandro, não gostando nada da estória que inventara.
- Todos morrerão um dia, uns morrem mais cedo, outros demoram mais. – falei – Vai falar com a garota! Não custa nada!
Alessandro foi de má vontade, mas tentou dar outra impressão a Sabrina.
Uns minutos de conversa e os dois vieram até Mirian e eu.
- Eu contei para ela a verdade. – disse Alessandro. Arregalei os olhos não acreditando – Que é você que está a fim dela.
Mirian se segurou para não rir.
- Por que você não me falou que era você? – perguntou Sabrina
- Porque eu sou uma pessoa muito tímida. – respondi – Eu não faço esse tipo de coisa, mas você... Mexeu comigo.
Ela sorriu para mim. Arrancou uma folha do próprio caderno, escreveu nele e me entregou.
- Meu MSN.
Fiquei olhando para o papel.
- Qual é o seu nome? – perguntou ela
Me apresentei e apertamos as mãos. Outro flash.
Ela foi embora e eu continuei olhando o papel.
- Você não esqueceu de falar uma coisa para ela? – perguntou Mirian
- Ela não vai morrer hoje não. – falei sem tirar os olhos do papel
- Como você sabe?
- Porque eu tive outro flash.
Para Mirian foi o mesmo de eu não ter respondido.
- Porque eu vou beijá-la.
Sabrina e eu conversamos naquele mesmo dia por MSN. Mas eu não consegui contar a ela o que eu tinha visto. E os dias foram passando e Sabrina e eu estávamos nos aproximando cada vez mais. Eu estava me apaixonando de verdade por ela, e eu acreditava que ela por mim.
Só tinha uma semana que nos conhecíamos, mas parecia que nos conhecíamos por anos. Antes da sexta-feira nós já estávamos namorando.
Alessandro e Mirian sempre avisavam que eu deveria contar-lhe sobre o ônibus, mas eu não tinha coragem.
Um fundo de esperança dentro de mim queria acreditar que eu já a havia salvo naquela segunda-feira.
No sábado Sabrina passou a tarde comigo.
- Às vezes quando estou perto de você eu me sinto estranha. – disse Sabrina
- Estranha como? – eu sabia como, Alessandro e Mirian se sentiam do mesmo jeito, mas já estavam acostumados.
- Sei lá. Parece que minhas forças vão embora, fico com sono, cansada. – respondeu ela – Às vezes também esqueço de coisas que fizemos, como um lapso de memória. Você sabe por quê?
- Não. – eu sabia. O que causava aquilo era eu.
- Então tá.
Ela não tocou mais no assunto. Deve ter notado o meu nervosismo.
Na terça ela ficou novamente comigo. E tocou novamente no assunto.
- Lembra do que eu te falei no sábado?
- Lembro.
- Agora está diferente, totalmente o oposto. E tem mais, eu acho que eu estou ficando maluca, porque quando eu toco alguém vem umas imagens na minha cabeça da pessoa fazendo coisas. Sei lá.
O pior acontecera. Ela havia virado uma psyvamp, como eu.
Levei as mãos à boca sem saber o que dizer. Não sabia como contar a ela. Havia sido mais fácil com Alessandro e Mirian. Nós tínhamos descoberto o que eu era juntos. Mas Sabrina, era diferente.
- Tudo bem, amor? – perguntou ela
Balancei a cabeça afirmando. No mesmo instante ela mudou de assunto, mas eu não parava de pensar no que eu havia feito a ela.
Passaram-se mais dias e Sabrina parecia estar pirando cada vez mais, mas ela não falava isso para mim. Mas dava para sentir que ela estava mudando.
No dia em que completamos um mês de namoro eu fui buscá-la no colégio.
Ela estava mais diferente que os outros dias.
Deveria estar se achando uma maluca, vendo o que os outros faziam. Mas ela não falava mais sobre isso comigo.
Na hora de atravessar a rua nós esperamos o sinal fechar. Quando eu ia atravessar ela me segurou pela mão, depois me abraçou e deu um beijo no meu rosto.
Na minha mente vieram várias imagens do que havíamos feito durante esse um mês de namoro e no final um último flash, o ônibus.
Tantas coisas em minha mente e uma tontura tão forte que me fez perder o equilíbrio.
O sinal abriu e Sabrina atravessou a rua.
Desmaiei.
Quando acordei estava em minha cama. Um papel na cabeceira me chamou atenção.
“Se eu não tivesse te conhecido talvez nunca soubesse o que é amar alguém. Se eu não tivesse te conhecido nunca saberia quanto as pessoas podem ser hipócritas. Se eu não tivesse te conhecido ainda estaria esperando pela pessoa certa. Se eu não tivesse te conhecido talvez estaria morta.”
Mais embaixo tinha:
“Se você tivesse me explicado o que estava acontecendo comigo, eu talvez ainda estivesse viva.”
E sua assinatura no final do papel.
Fim
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Bom. Foi com esse conto que eu ganhei o premio literário Isat de Contos.
sexta-feira, 2 de abril de 2010
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5 Response to Conto - Se...
Se..Td mundo vive com um "Se" na cabeça,vlw Priscilla,serviu pra gente pensar antes de deixar as coisas pra depois.
eu gostei muito mesmo, muito bom seus contos, ainda mais esse
kra amei...
mas num gostei do final ne...aff ..uma pena..
me fez refletir mto..
Gostei muito do conto pois se baseia na realidade e no problema das escolhas, fazer ou deixar de fazer alguma coisa e as consequências. A transformação em psy vamp... Fico em dúvidas se é assim mesmo que ocorre. Mas... Isso é um problema meu, falta de conhecimento.
Meus parabéns!
Li todos os seus contos, e esse é realmente o melhor... Parabéns.
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